A vida é viva

Reflexão sobre a peça “Casa Caramujo”

Recentemente fui assistir à peça Casa Caramujo, texto e direção de Gustavo Paso. Nela, um menino, ainda em fase de simbolizar (brincava de faz-de-conta com seu boneco) tinha que lidar com a difícil missão de ver sua mãe envelhecer, adoecer e aproximar-se da morte.

Não bastasse isso, a Dona Morte a ele tenebrosa se apresenta, e ele a enfrenta. Leva embora seu cajado e a aprisiona dentro da casa de um caramujo que estava distraidamente indo tomar banho de rio.

Muito ingenuamente, o menino crê ter resolvido todos os problemas no momento em que consegue isolar a morte da vida. Para sua surpresa, quando a morte ficou apartada, a vida de todos da sua cidade também paralisou. Nada mais podia morrer, nenhum ciclo poderia ser completado. E tudo ficou muito esquisito naquele lugar.

Até que um dia, o menino revela à sua mãe seu grande segredo. E sua mãe, já mais madura, explica que não é assim que as coisas funcionam e que era preciso libertar a morte porque ela também faz parte da vida.

O menino procura o caramujo e pede sua ajuda para encontrar sua casa. E ambos vão atrás da casinha do caramujo numa aventura heroica e corajosa. Ao encontrá-la, o menino liberta a Dona Morte, devolve a casca ao caramujo e integra àquela cidade a uma grande Verdade: “a impermanência de todos os fenômenos”. As coisas voltaram a funcionar e ganharam vida novamente.

Interessante notar que, na peça, a luta contra a Dona Morte foi inicialmente solitária, mas, para seu resgate, foi necessário pedir ajuda. A conexão social nos torna resilientes: pedir ajuda e ser ajudado nos resgata o sentido da vida e nos fortalece. Temos aqui a vitória da coragem (“agir com o coração”) em prol do egoísmo (não querer encarar a perda da mãe).

O que será que consideramos “Bem” e “Mal”?

Será a morte um “Mal”?

Será possível guardar todo o “Mal” dentro de um lugar?

Será que o “Mal” ficaria mesmo ali guardado, quieto e solene?

Ou será que o Mal não aparece quando estamos distraídos (como no caso do próprio caramujo) ou quando não queremos aceitar a inevitabilidade e inexorabilidade dos fatores que se impõem a nós (no caso do garoto) ou até mesmo quando a vida dá um chocalhão (como no caso naquela cidade que pareceu só acordar, de fato, quando tudo “congelou”)?

Podemos estar certos de que a morte é apenas mais um fenômeno da vida. O modo como a percebem é apenas uma interpretação.

Os homens criam símbolos do “Mal” e tentam dominá-los, quando pouco percebem que o Mal, assim como o Bem, reside dentro deles mesmos. É comum que as pessoas destruam umas às outras, acreditando que assim livrar-se-ão de todo o mal. Pelo contrário: é daí que se alimenta toda a maldade do mundo.

Vida e Morte. Bem e Mal. Certo e Errado. Estamos cheios de certezas, mas poucos tem sabedoria do que realmente é preciso fazer. Para ter sabedoria, é preciso abrir mão das certezas. Começando por questionar e a reconhecer que nossos aspectos sombrios precisam ser descobertos e integrados ao nosso ser. Quando isso não acontece, acreditamos que a maldade está fora.

 

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Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), Psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae) e Psicanalista. Atende na clínica com psicoterapia (enfoque psicanalítico) e coaching em resiliência (controle do estresse) – consultório em Pinheiros (São Paulo). Ministra palestras e treinamentos comportamentais in company pela sua empresa Ponto de Palestras e Treinamentos. Escreve semanalmente neste blog. Acompanhe.

Contatem-me: contato@cristinamonteiro.com.br

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