Espaço de Liberdade

“E o vento cobriu com silêncio seu próprio rosto”.

Cristina Monteiro

 

Breve análise do filme “Tempestade de Areia”

Assisti recentemente ao filme “Tempestade de Areia”, tido como representante de Israel ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2017, e reconheci uma conexão com meu trabalho. Por isso, decidi escrever sobre ele.

Tal trama envolve questões relacionadas a um novo olhar e uma nova postura sobre ser mulher em uma tradição e cultura que tolhe a liberdade e a possibilidade de escolhas.

Layla (Lamis Ammar), filha de uma família de beduínos (parte de um grupo árabe habitante dos desertos) consegue convencer seu pai Suliman (Hitham Omari) a deixá-la frequentar a faculdade, onde conhece seu grande amor. Decide casar-se e, ao tentar resolver tal situação com seu pai, este acaba tomando decisões drásticas. Ao mesmo tempo, sua mãe, Jalila (Ruba Blal) vive a dor de suportar o casamento e de passar tais valores à filha.

 

Uma escuta ativa para este drama

Falas brutas, carregadas de sentimentos e metáforas narravam aquelas histórias. Apesar dos véus nos rostos e dos inúmeros varais de roupas que separavam e cobriam a casa da família de Layla da vista da região, deixam-nas na total solidão, Layla menciona à sua mãe que podia “ver”, envolver-se e se relacionar. E destacou para seu pai a possibilidade de que “sempre há escolha” – frase esta que a fez ser tachada por ele como imatura. O pai mostra com sua postura sua total passividade: apenas reproduz o sistema, mas isso não o faz livre.

 

Questões intergeracionais: é preciso parar de carregar uma dor que não é nossa

Numa cultura onde praticamente não há escolha para as mulheres, nota-se que essas não transmitem ternura e compreensão umas às outras: pelo contrário, são deixadas sozinhas, mal tratadas e ainda com certa indiferença ao sofrimento. Isso pode ser visto na relação entre as mulheres da mesma família de Layla (avó com mãe e mãe com filha mais velha).

Sua avó refletia a insatisfação coberta pela total submissão e aceitação do sistema sócio-cultural. Sua mãe também o aceitava e o seguia, mas demonstrava com mais clareza a sua ira descontando em Layla (filha mais velha): a situação de pobreza, a indiferença do marido e o ruir do seu casamento. Já Layla não aceitava: questionava, lutava e, mesmo ao final, aceitando casar-se, demonstra sua insatisfação com as condições oferecidas.

Layla é a referência da transmissão intergeracional em que sua avó e mãe suportaram, mas não digeriram. Ela não quis continuar essa indigestão. Foi procurar literalmente comida em outra fonte, com outra mulher que não era da sua família/do seu sangue: a esposa atual de seu pai. Nesse momento, esta lhe dá um conselho sincero e até generoso: parabenizou-a por casar e avisou que ela se casasse logo para não ter que passar pelo que ela estava passando (ao ser a segunda esposa).

Layla aceitou as condições de sua cultura e costumes, mas como podia questionar, era livre.

 

Psicanálise: como ter uma nova postura frente à vida

Uma das possibilidades de questionarmos a nossa vida em todos os seus âmbitos é em momentos de análise (“psicoterapia” de ordem psicanalítica): o que estamos fazendo com nossa história? Em que lugar estamos nos colocando? O que esperamos com isso? Somos vítimas dos sistemas sociais e culturais ou somos protagonistas de nossa vida?

Concordo com Layla, de que a gente sempre tem a liberdade de escolha. Escolher é não negar. Também não é, necessariamente, rebelar-se. O silêncio e a obediência podem ser escolhas muito sábias.

A verdadeira escolha começa internamente, a partir de uma pausa, uma reflexão, que nos abre uma janela da consciência e nos permite questionar: “Por quê?” e “Por que não?”, bem como realinhar visões, reconsiderar condutas e aliviar dores.

Temos, na análise, uma mão estendida. Basta que você também estenda a sua para que a conexão aconteça e você possa, então, existir ali. Trabalho para que o movimento dos ventos internos descubram os silêncios dos rostos que chegam.

 

Referência

CAMACHO, Raphael. Crítica | Tempestade de Areia – Um grito de socorro pela liberdade de escolha. Disponível em: <https://cinepop.com.br/critica-tempestade-de-areia-um-grito-de-socorro-pela-liberdade-de-escolha-154085>, acesso em 10/09/2018.

 

Sigam-me,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), Psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae) e Psicanalista. Atende na clínica com psicoterapia (enfoque psicanalítico) e coaching em resiliência (controle do estresse) – consultório em Pinheiros (São Paulo). Ministra palestras e treinamentos comportamentais in company pela sua empresa Ponto de Palestras e Treinamentos. Escreve semanalmente neste blog. Acompanhe.

Contate-me: contato@cristinamonteiro.com.br

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