Memórias de uma Roda de Conversa

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Ontem, 26 de outubro de 2017, tive a honra de ser convidada para uma Roda de Conversa na faculdade ESAMC (Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação) pelo Silvio Buria (Diretor Acadêmico e professor da ESAMC), a falar sobre bullying, um tema tão atual. Tal Roda de Conversa abrangeu outros temas ligados aos preconceitos cotidianos – homofobia, racismo e machismo – e também foi permeada por outros professores dessa faculdade.

Primeiramente esclareci que o bullying é uma situação específica de agressão que ocorre entre pares (pessoas da mesma idade, ou idades próximas), e que envolve uma relação de poder entre quem pratica a ação, quem a sofre, e ainda é suportada na presença de quem assiste e compactua com a cena.

Comentei sobre as variáveis envolvidas em uma cena de bullying: tudo começa com o fato de nos sentirmos separados (desconectados) e, a partir disso, dividirmos o mundo entre aquilo que gostamos e o que não gostamos. Com o aumento da expressividade nas redes sociais virtuais – hoje em dia todos temos que ter opinião formada sobre tudo – a questão do ódio se evidencia com mais nitidez, além de sermos apoiados por nossos semelhantes (nossa timeline é formada por aqueles que pensam como nós). Essa intolerância ao diferente conduz-nos facilmente à violência.

Além disso, nossa desconexão atingiu um grau tão alto que pouco nos compreendemos como parte de um todo, além de estarmos repletos de um “narcisismo inflado” que nos impede de ver o outro como tal. Esses dois comportamentos – tratar com agressão ou com negligência – são as bases para uma sociedade doente: sem empatia e sem consideração pelas vidas ao redor.

O psicanalista Heraldo Tovani ressalta em sua reflexão que toda sociedade é composta por indivíduos que, simultaneamente, exercem e sofrem ações sociais, ou seja, a sociedade faz o indivíduo que faz a sociedade. Assim, o ódio enquanto um sentimento individual, quando compartilhado em larga escala, torna-se um fenômeno social, um sintoma, no indivíduo ou no grupo, da doença da sociedade.

Esse mesmo autor menciona Jacques Lacan, que aproxima o conceito do ódio ao mito de Kakón. Em Hesíodo, Pandora aparece descrita como Kalón Kakón (o Mal). Pandora é a bela mulher enviada por Zeus que abriu a caixa de onde saíram todos os males da humanidade. Somado a isso, o caso Aimée (paciente de Lacan que atacou uma atriz num teatro de Paris) nos traz mais uma evidência:

“Lacan desenvolve que ‘a mesma imagem que representa seu ideal é também o objeto de seu ódio’, uma vez que a paciente era, ela também, aspirante às artes, com sua pretensão à literatura. Os diversos aspectos de sua vida alucinada que fantasiava delírios de perseguição e perigos despertava o ódio a si que ela projetou em sua vítima” (TOVANI).

Aimée decide matar uma pessoa inocente, mas na qual via o símbolo do inimigo interior. Kakón é visto por Lacan como o monstro que reflete no outro o mal que há em si. Assim, ao não darmos conta de confortar nossas angústias, projetamo-las e atacamos o outro, acreditando ser ele o principal problema, a causa do nosso sofrimento: estamos, na realidade, atacando a nós mesmos.

Discutimos na roda a comunicação e a arte como possibilidades saudáveis de reconstrução social, mas também como palco de expressões de influência política, cultural e social (propagandas).

Segundo a psicanalista Gabriela Costardi, “a arte nos permite experimentar a própria noção de que nossos códigos são construídos e, portanto, ainda que sejam necessários, não são estáticos. Nesse sentido, um de seus importantes modos de operação é justamente reapresentar um objeto fora das relações que o sustentam usualmente”. Assim, o espaço da arte, segundo Lacan, permite-nos acessar o que está interditado a partir de um lugar novo. No entanto, a autora comenta em seu artigo a perversidade contida na situação ocorrida recentemente no museu do MASP, em São Paulo, no que tange à divulgação não autorizada das imagens da criança e o uso político das mesmas, enquanto uma questão a ser notada.

Compreender tais nuances é verificar com profundidade a raiz de todos os nossos sofrimentos. Já dizia Terezinha Rios,, em sua palestra no RD Summit 2017, que olhar a raiz – o radical – é ter uma visão crítica sobre a vida em sociedade. Não dá para apenas lermos e acompanharmos os noticiários simplesmente acreditando naquilo que nos é dito. É preciso refletir. Esta educadora ressaltou: “em quantas coisas invisíveis não temos reparado?”

É preciso parar e reparar: olhar. Ver de fato: ver para ser visto e se reconhecer. Existir e garantir a existência alheia, num movimento social saudável e vivo.

 

Referências:

COSTARDI, Gabriela. Sobre o uso político do tabu sexual no contexto de “La bête”, disponível em: <https://jornalggn.com.br/noticia/sobre-o-uso-politico-do-tabu-sexual-no-contexto-de-%E2%80%9Cla-bete%E2%80%9D-por-gabriela-costardi

TOVANI, Heraldo. Que ódio é esse? Disponível em:<https://www.brasil247.com/pt/colunistas/geral/323930/Que-%C3%B3dio-%C3%A9-esse.htm&gt;

 

Grande abraço,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga Clínica, Psicopedagoga, Coach (Resiliência) e Instrutora de Mindfulness. Escritora (crônicas literárias, artigos acadêmicos e profissionais). Atende na Clínica com Psicoterapia (enfoque psicanalítico) e Coaching em Resiliência (controle do estresse). Ministra palestras e treinamentos comportamentais em nome da sua empresa (Ponto de Palestras e Treinamentos). Escreve semanalmente neste blog. Acompanhe.

Contato: contato@cristinamonteiro.com.br

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