Na ânsia da intolerância

Trago aqui uma reflexão a partir de um filme para que possamos pensar a realidade dos tempos atuais.

 

 

Breve análise do filme 22 de julho

O filme 22 de julho, de Netflix, aborda fatos reais de impactos de atentados terroristas na vida de pessoas comuns. Um dos atentados, o mais grave, deu-se num acampamento organizado pelo Arbeiderpartiet (Partido Trabalhista Norueguês) e matou mais de 70 jovens. Ao mesmo tempo, na capital, Oslo, uma bomba explodia na área de edifícios do governo. O responsável pelos ataques foi Anders Behring Breivik, um nacionalista de extrema-direita, em 22 de julho de 2011.

O terrorista planejou e executou tudo sozinho. Sentia-se muito importante em suas atitudes e pediu para ser ouvido em julgamento diversas vezes, bem como as vítimas do atentado. Era seu momento de estrela. Ele pouco existiu ao longo de sua infância e adolescência, e aquele era o momento em que precisava fazer algo grandioso e sua intolerância política e xenofobia foram combustíveis para que ele se sentisse real por um momento.

Em conversa com o advogado, recusou-se a ser considerado como portador de algum transtorno mental, fazendo questão de deixar claro que estava em plena consciência de suas ações, que tinham um sentido engendrado, zeloso e patriota em toda aquela trama.

 

Intolerância: aquilo que não queremos ver

Ao final do filme, o advogado consegue dizer ao assassino que ele não era um vencedor, mas um perdedor; que não deveria se vangloriar por esse genocídio e que iria pagar pelo ocorrido. Em resposta, Breivik disse que tinha sido um pioneiro em seu ato grandioso e que muitos dariam continuidade a tamanha proeza. O advogado garantiu-lhe que todos os que assim o fizessem, também seriam considerados culpados por seus atos.

Logo após esse comentário, Breivik olhou nos olhos do advogado e disse uma frase muito forte e que ouvi com duplo sentido: “Vocês não nos veem”.

O primeiro sentido é o de que pessoas que cometem esse tipo de conduta muitas vezes são tidas como “normais” até então, com uma infância pacífica e uma certa adequação social. Então passam “despercebidas” socialmente, inclusive por seus parentes, até que algo desse tipo chame a atenção.

O segundo sentido é que, para termos uma personalidade formada com esse viés, tal pessoa, de fato, não foi vista: não foi percebida pelos pais ou cuidadores, pela sociedade, vivendo à margem da construção social, colado numa máscara, aguardando um momento propício em que possa ser especial, já que nunca se sentiu alguém “de verdade”. A construção e vivência do atentado se tornam, então, a sua grande verdade.

Tanto o primeiro quanto o segundo sentidos abordados acima revelam a importância de nossa formação enquanto sujeitos sociais. Somos formados na e pela sociedade e atuamos de modo a transformá-la. Ninguém que é criado à parte, na marginalidade emocional ou social, consegue se manter invisível por toda a vida.

É na ausência de elaboração de conteúdos internos, que a mente se transforma e dá lugar ao campo minado: onde matar vira algo heroico, onde estar consciente e falar com sinceridade maqueiam a hipótese de doença mental e onde a intolerância gritada por um “líder” representa nossas míseras dores caladas. Elementos esses que constituem palcos para um ambiente fascista, de extrema intolerância, como estamos vivendo em nosso país atualmente.

 

Intolerância hoje

“Antes de falar mais qualquer coisa sobre o longa enquanto obra cinematográfica, eu devo fazer aqui um alerta a todos. A pertinência deste filme para o momento político específico que o Brasil vive é ASSUSTADORA. Em um momento em que a maior parte dos eleitores se vê encurralada entre dois polos, com uma disseminação de ódio político-partidário-mitológico que eu, nos meus 36 anos de vida, nunca vi nem remotamente igual, chega uma obra que nos dá um violentíssimo soco na cara e faz com que nos lembremos dos perigos reais e mais do que comprovados do extremismo e da culpabilização do próximo por todos os nossos problemas.” (DAVID, 2018)

A História se repete. E não devemos ficar à margem dessas análises, porque isso não tira a nossa responsabilidade sobre o que acontece.

 

Referências:

DAVID, G. Crítica: 22 de Julho (22 July). Disponível em: <https://www.metafictions.com/conteudo/critica-22-de-julho-22-july.html>, acesso em 16/10/2018.

 

22 de Julho filme Netflix: crítica da produção (baseada em Fatos). Disponível em: <https://interprete.me/22-de-julho-filme-netflix/>, acesso em 16/10/2018.

 

Sigam-me,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), Psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae) e Psicanalista. Atende na clínica com psicoterapia (enfoque psicanalítico) e coaching em resiliência (controle do estresse) – consultório em Pinheiros (São Paulo). Ministra palestras e treinamentos comportamentais in company pela sua empresa Ponto de Palestras e Treinamentos. Escreve semanalmente neste blog. Acompanhe.

Contate-me: contato@cristinamonteiro.com.br

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