Nos diálogos sobre mente e arte construímos identidades*

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“A arte é um descarregamento da pressão. Se a psicanálise vai se envolver de forma artística com a narrativa do paciente, depende muito da sensibilidade do analista em não ter um ouvido formal.” (Victor Arruda, 2016)

Toda a nossa tentativa de seguir tendências nos aproxima da estética, da cumplicidade e da coerência com a moral e com os valores da sociedade. Promove maior adequação e aceitação, mas, após algum tempo, limita-nos pela descontinuidade que temos em continuar algo que não foi iniciado por nós. Mas, a verdadeira construção da identidade, como é trabalhada em contexto de análise (tratamento em Psicanálise), se dá pela desconstrução das nossas tentativas vãs de continuidade dos modelos que tivemos ao longo de nossas vidas e tidos como certos.

Arruda conta que em sua carreira de artista tentou dar continuidade aos modernistas no que tange à sua estética. Mas, devido a questões internas relativas à homossexualidade e sua forma singular de compreender o mundo – particularmente em termos de dinheiro, poder e sexualidade –, tais contornos se tornaram “justos” demais (incômodos em termos de imagem/corpo) e ainda “injustos” (em termos da sua verdade e sentido da vida) à sua imagem. Seus quadros poderiam facilmente ser “enquadrados” naquele contexto, mas permaneciam guardados, sem encontrar olhares. No entanto, ao incluir tais elementos “humanísticos” em sua obra, ele rompe com a estética e vive na antiestética a sua verdade, vendo-a ressurgir viva, bruta e, porque não, narrativa.

Sua antipintura, influenciada pelo Dadaísmo, levou-o a reforçar o que ele nomeia de “o malfeito”, ou seja, incorpora questões não relativas ao belo do ser humano: “se antes eu fazia um trabalho malfeito para mim, e tinha uma pintura estética para me comunicar com as pessoas do mundo da arte, a partir dali, eu me comunicaria, também, pelo malfeito”, explica. Aparentemente sua nova versão, considerada simplista aos olhos de alguns, não deixava transparecer seu conhecimento profundo em História da Arte; mas ela urgia  comunicar e ser vista. E, de fato, com o tempo, expandiu-se e, segundo conta, passou a chamar a atenção de jovens artistas, psicanalistas e pessoas de fora do universo artístico.

E encerro com a seguinte reflexão: Moldar-se. Desconstruir-se. Reconstruir-se para, numa nova linguagem, comunicar e ser visto. Só assim verdadeiramente existimos. Se negarmos tal processo, passaremos a vida repetindo o que os outros disseram de nós, o que era esperado de nossos comportamentos e atitudes e o que algumas situações mais marcantes nos caracterizaram. Sejamos artistas e autores de nossas próprias histórias.

Cristina Monteiro – Psicóloga Clínica (PUC-SP), Psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae), Coach em Resiliência pela SOBRARE (Sociedade Brasileira de Resiliência) e Palestrante (Ponto de Palestras e Treinamentos). Atende em psicoterapia (abordagem psicanalítica) e coaching. Autora de diversos artigos corporativos e científicos, livros e deste blog. Budista, apaixonada pela vida, pelas reflexões e pelas palavras que contornam e elaboram novas possibilidades de existir.

* De acordo com o debate “Voar Fora da Asa – Mente e Arte: Victor Arruda” apresentado esta semana no dotART sobre a vida e obra do artista plástico Victor Arruda acerca da criação artística e psicanálise (disponível em: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/di%C3%A1logos-sobre-mente-e-arte-1.1317502, acesso em 11jun2016).

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