Orientação Profissional em tempos acelerados: novas narrativas

 

tempos-liquidos-1Relato da minha experiência

No último 08 de outubro, participei como ouvinte atenta da II Jornada de Orientação Profissional na ONG Colmeia, zona Oeste de São Paulo. Este encontro me fez refletir sobre diversos aspectos de como estamos vivendo o mundo do trabalho, questão que norteia o Grupo de Carreira que conduzo às 2as feiras, juntamente com Marisa Abujamra.

A questão central que permeou todas os relatos foi o sentido do trabalho hoje. E, para isso, é preciso olharmos para este momento que nos escapa a cada instante. Vivemos um constante atropelamento pelo tempo, em que o presente virou um alarme, o passado não mais reconhecemos e nem mesmo o futuro o conectamos.

Se deixarmos, viveremos em estado de emergência e urgência. Em outros termos: estamos em constante estado de alerta. Quem está em constante estado de alerta não tem tempo para refletir, conectar ideias e tomar decisões sábias e proativas. Acredito que viramos então produtos daquilo que consumimos.

 

Adultos em crise: para onde foram nossas referências?

Com essa fragmentação temporal, e também com a internet conectando espaços, houve claramente uma mudança de identidade. E como olhamos então para nós e para o outro? Que relações conseguimos nutrir? Por que o ócio não pode ser vivido e a produtividade que tanto buscamos ser se mostra, a cada dia, ainda mais improdutiva?

Se antigamente o adulto era uma referência, um guia, hoje ele não tem mais este valor e encontra-se ainda mais perdido que os jovens que estão aí se adaptando como podem a essa modernidade líquida.

Segundo Freud, o “adulto normal” era aquele capaz de amar e trabalhar – e esses “votos” eram provenientes de escolhas certeiras e duradouras. Atualmente essas escolhas são tão questionáveis e insustentáveis que está ainda mais difícil hoje ser esse “adulto normal”.

 

Falta? Excessos X Ausências

E, se por um lado, o excesso de possibilidades que hoje vivemos nos dá a sensação de liberdade, por outro, deparamo-nos com o paradoxo de reconhecer que a liberdade de escolha perpassa pelo nosso desejo e este já vem com o nosso “filtro”. E, além disso, pergunto: “Qual o significado dos nossos desejos?” E emendo: “que liberdade é essa?”

Além disso, se, à luz da Psicanálise, a nossa condição de sujeito é uma condição faltante – formamo-nos na linguagem e esta nos constitui – deveríamos lidar com a “falta” de um modo mais saudável e produtivo. Mas o que nos é ofertado hoje em termos de felicidade e sucesso? A noção de completude e perfeição – incompatíveis com um ser que escolhe e se forma a cada instante. Assim, a relativa angústia da falta que nos conduziria à nossa busca é tomada como impossível de ser vivida, como algo errado.

Preenchemos com significados o que não pode ser significado e esse “tatuar a vida” tampouco a tangencia: nos perturba e nos preenche de tal modo que nunca nos sentimos tão vazios de nós mesmos, de outros e de verdadeiros sentidos existenciais.

 

O peso da carreira

É notável que, em termos de trabalho, saímos de algo estável para a instabilidade. Da noção de coletivo para a noção de individualismo. Na sociedade do final do século passado e início dos anos 2000, a ideia de carreira e felicidade casavam muito bem.

No entanto, a carreira deste “profissional ideal” levou-o a considerar-se demasiado importante, que sua imagem inflou de tal modo que as pessoas, para sentirem-se bem, precisam dizer-se, após o seu nome, o seus status profissional. E, ao substituirmos o ter (um trabalho, uma profissão) pelo ser, entramos numa questão bem mais delicada, porque envolve um âmbito existencial e um status de imutabilidade (quem é não deixa de ser, senão perdemos um pedaço de nós).

 

Como a Orientação Profissional pode ajudar

A orientação profissional entra em cheque nesse momento: o orientador profissional sai da posição de autoridade e ocupa a posição de mediador: estamos ali com o aparato técnico e deixamos um espaço ainda maior para que o outro preencha e ocupe esta relação com expressão e voz em sua vida.

Com isso, constroem-se novas narrativas e percursos, vivendo de construção e de processo como a vida nos leva a reconhecer, e deixando de lado a ideia de “carreira ideal”, tão consolidada e ainda tão almejada ainda nos dias atuais.

 

Grande abraço,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga, Psicopedagoga, Orientadora Profissional e de Carreira e Coach. Escritora (crônicas literárias, artigos acadêmicos e profissionais). Atende na Clínica com Psicoterapia (enfoque psicanalítico) e Coaching em Resiliência (vida e carreira), ministra palestras e treinamentos comportamentais em nome de sua empresa (Ponto de Palestras e Treinamentos). Escreve semanalmente neste blog. Acompanhe.

Contato: crifmonteiro@gmail.com

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