Plenitude ou falta: uma questão de escolha

Em um outro post, desenvolvi a ideia de que os seres humanos são seres que nascem altruístas e compassivos, ou seja, é da natureza humana termos compaixão. Muitas vezes é possível percebê-lo em bebês e em algumas crianças bem pequenas. Mas por que tal atitude, tão importante, tende a perder sua força ao longo da vida?

 

O que significa compaixão?

Compaixão pode ser definida como uma conexão genuína com o sofrimento do outro e que implica aquele que sente numa atitude proativa pautada no desejo de ajudar. Para isso, é preciso estar afinado à ideia de que estamos todos conectados, que a dor do outro é a minha, que a felicidade do outro é a minha e esse sentido maior de conexão é o que dá sentido real à vida.

 

Quando e como a compaixão se “perde”?

A partir do momento em que precisamos construir a noção de um “eu” separado – separação eu-outro e eu-mundo, fase fundamental da vida para começarmos a nos responsabilizar por nossos atos, nosso corpo e nossa mente – tal estrutura nos leva a compreender o mundo a partir desse “ego” (egocentrismo), e do que tem sentido para esse “eu”. E aqui o outro (os outros) vai para um segundo plano, bem menos importante para nós do que o nosso “eu”.

Além disso, essa máscara social a que chamamos “eu/ego” fica envolta de um preciosismo e o que pode ser identificado a ela é protegido (gosto), o que é contrariado e negado (não gosto),  e o que não cria identificações (neutro). Aqui nasce a concepção de “apego” às coisas das quais identificamos que nos fazem sentido (“gosto”).

E então, misturamos a noção de “amor” e “apego”, confundimo-nos e vivemos apegados à concepção que temos de nós mesmos, do outro, do mundo e da vida. E o sentido de posse (eu, meu, minha) vai então nos cercar de uma certa proteção e distorcer a realidade de acordo com essa visão. Forma-se a base da criação do nosso “véu de percepções”, em outras palavras, nossa visão de mundo.

 

Sai a compaixão, entra a inveja

A inveja surge a partir dos medos causados e ameaçados pelas possíveis perdas atreladas ao “eu”. Segundo Dermazo e Campayo, a inveja se sustenta em duas possíveis causas errôneas:

– a ideia de que coisas boas e felicidades são bens de quantidade limitada. Assim, se alguém próximo a conseguiu, mesmo que você lhe queira bem, não consegue realmente torcer junto, pois acredita que sobrará menos coisas boas no mundo para si.

– outra possibilidade é o que eles denominaram de “falácia da justiça”, ou seja, acreditamos ser injusto que tal pessoa seja merecedora de algo que nós, que lutamos tanto, ainda não conseguimos obter.

 

Como recuperar a compaixão

Inicialmente é preciso reconhecer que nosso filtro de percepção é apenas uma concepção que desenvolvemos ao longo da vida, com base principalmente nas nossas experiências infantis e em como lidamos com o que percebemos. Com isso, lembrar que “as percepções, as aparências e as avaliações não passam, em si mesmas, de circunstâncias.” (Singer e Ricard).

Faz-se necessária a reflexão e a separação entre “amor” e “apego” e vivenciar a experiência do desapego. A importância do desapego está no fato de que a lei básica é a da impermanência de todos os fenômenos: tudo muda o tempo todo no mundo. Então para que se apegar? Não temos controle sobre isso. Apegar-se só gera sofrimento.

Valorizar a experiência preciosa de estar presente: “o próprio fato de permanecermos no frescor do momento presente, em vez de nos deixarmos levar por pensamentos erráticos, os torna muito mais presentes para os outros e para o mundo.” (Singer e Ricard, p. 118).

 

Compaixão: a verdadeira conexão

A compaixão e o principal antídoto para voltarmos ao amor e acabarmos com o apego.

Singer e Ricard abordam que na percepção de alguns pesquisadores do campo da Psicologia Positiva, tal como Barbara Fredrickson, a meditação sobre a compaixão é o estado que gera a ativação neuronal mais forte, sendo esta considerada a “emoção suprema”:

“Ela abre a mente para que examinemos as situações de uma perspectiva mais ampla, que sejamos mais receptivos ao outro e que adotemos posturas e comportamentos mais flexíveis e inovadores. Ele provoca uma espiral ascendente de estados mentais construtivos, tornando-nos também mais resilientes e ajudando-nos a enfrentar melhor a adversidade.” (p. 119)

Vale lembrar que nossa felicidade é ilimitada e independe de outras pessoas e de objetos externos. Basta estarmos conectados com a noção inicial de um todo integrado.

 

REFERÊNCIAS:

DERMAZO, M. e CAMPAYO, J. Manual Prático Mindfulness: Curiosidade e Aceitação. Trad. Denise Sanematsu Kato. São Paulo: Palas Athena, 2015.

MATHIEU, R. e SINGER, W. Cérebro e meditação: diálogos entre o budismo e a neurociência. Trad. Fernando Santos. São Paulo: Alaúde Editora, 2018.

 

Sigam-me,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), Psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae) e Psicanalista. Atende na clínica com psicoterapia (enfoque psicanalítico) e coaching em resiliência (controle do estresse) – consultório em Pinheiros (São Paulo). Ministra palestras e treinamentos comportamentais in company pela sua empresa Ponto de Diálogo e Reflexões. Escreve semanalmente neste blog. Acompanhe.

Contatem-me: contato@cristinamonteiro.com.br

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