Relato de uma experiência de Comunicação Não-Violenta (CNV)

Lucila_Dominic

Na imagem, a entrevistanda Lucila Monteiro e o palestrante Dominic Barter

Entrevistei esta semana a designer Lucila Monteiro, participante do último curso de Dominic Barter sobre Comunicação Não-Violenta (CNV), no mês de março de 2016, em São Paulo. E ela nos conta aqui um pouco da sua experiência encantadora e impactante sobre o poder das palavras na vida e na história.

Barter é um irlandês, que há dezesseis anos está atendendo o público, incluindo as favelas do Rio de Janeiro, com um modo novo e autêntico de intermediar. Pesquisou junto a Marshall Rosenberg a Comunicação Não-Violenta (CNV), disseminando suas ideias e a compreensão dos diálogos que nos envolvem. No Brasil, Dominic desenvolve trabalhos com o intuito de difundir os conhecimentos da CNV por meio de cursos e seminários, além de auxiliar na introdução do direito restaurativo na justiça brasileira, com o intuito de substituir a punição por acordos mais benéficos. Hoje, ele é a principal referência da CNV no Brasil, não apenas pelo seu conhecimento do tema, mas pela coerência entre fala e ação.

Os princípios da não-violência nos mostram que todos se influenciando simultaneamente. A CNV é uma conversa diferente, até meio esquisita. A palavra não-violência é uma palavra só, não tem uma tradução em nossa língua. Não é a ausência de algo dinâmico. A não-violência trabalha com o estar no aqui e agora. O verbo “ser” não tem sentido num mundo fluido: as coisas estão em fluxo, em movimento. Somos a mutação. Enquanto o ser evoca uma condição, o estar nos traz a opção. Aí temos o espaço como oportunidade para aprender e verificar se tem sentido. O conhecimento em CNV é um caminho artesanal – é preciso cuidar para que não se torne mais um acúmulo de conhecimento – é mais vivencial, é viver o encontro dos seres humanos nos diálogos.

Neste último seminário, ele questionou: “E então, como eu percebo as vozes dentro de mim? ” É preciso aprender a olhar o que está acontecendo conosco e com o outro, pois, a partir daí, surge um relacionamento. Observar-se: o que eu faço quando estou com pessoas de: opiniões, países, pensamentos e conversas diferentes? Como aprendo com isso? Nossos preconceitos nascem da incapacidade de compreender o diferente, em termos de raça, gênero, saúde mental e meio-ambiente.

Fazemos parte de redes de relacionamentos, sistemas de apoio e temos nossa participação para criar e sustentar os sistemas que existem: entendendo, contribuindo, modificando. Eu consigo enxergar isso como meu ou confiro a responsabilidades políticas (econômico, justiça), representantes, professores, pais? E se não estou feliz, o que estou fazendo para contribuir?

A maior parte da nossa fala consiste em “falar sobre”. Nosso trabalho é no sentido de “falar de” e ainda, “falar em parte”, deixando o outro perguntar e preencher. Isso é “cocriar”, ou seja, criar qualidade da escuta. Nesse momento, saímos das certezas e entramos nas incertezas. Criar é poder conectar onde não existe. Fortalecer é dar força a algo que já existe. E recuperar é trazer conexões gastas pelo tempo.

A CNV trabalha com compaixão, necessidade, sentimento, pedido. Compaixão são todos os sentimentos intensos juntos. Necessidade é aquilo que não cessa, não pára, como um chafariz que jorra sempre. Os sentimentos servem para dar acesso às necessidades. “Onde há fumaça, há fogo. Onde tem sentimento, tem necessidade” (Barter). Capacidade de perceber as necessidades: se os sentimentos mais ou menos afetivos estão sendo atendidos ou não. O que está acontecendo? Ninguém briga se não se importa. Estou vivo, me importa, então eu brigo.

Devemos aumentar a capacidade de ouvir a necessidade do outro, independentemente de julgar e analisar: um bom ouvinte se atenta a ser empático e não simpático, não associa com elementos seus, não julga. Descobrir o sentido por trás das palavras. Temos que aprender a ficar com o “não sei”. Por exemplo, você não sabe como a pessoa que você conhece está. Será que você a conhece? Perguntar de verdade como ela está, sair do “Oi tudo bem? ”, sem sentido, das coisas invisíveis: a gente não olha, não vê ou não quer ver. Ouvir sem concordar, ouvir sem discordar. No símbolo do infinito, ele une: observar => sentimento => necessidade (princípios e valores) => ação (pedido). Pedido tem uma força: o que você quer, onde, quando, com quem?

A gente se envolve nos dramas, são eles que sustentam nossas reações. Tanto que a ausência de diálogo gera conflito. O conflito se torna violento quando não é ouvido. O conflito é, portanto, problemático, mas também é algo profundamente transformador. Temos medo de conflito porque associamos com violência. É preciso entender o conflito como um diálogo. A não-violência é ver o conflito como um feedback dentro de mim e socialmente. É cansativo, senão inútil, tentar resistir.

CrisM.

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