Uma relação entre mindfulness e resiliência: em busca do equilíbrio

Zen stones

Publicado recentemente um artigo que escrevi com o psicólogo e coach da SOBRARE (Sociedade Brasileira de Resiliência) George Barbosa sobre mindfulness e resiliência na Revista Coaching Brasil. Veja link abaixo:

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Segue o texto na íntegra:

A resiliência e as disciplinas da alma – quietude e foco: Bálsamo para a mente

Cristina Monteiro e George Barbosa

 

A resiliência vem sendo estudada por diversos autores advindos das psicologias cognitivas e é tida como um aspecto psicológico saudável, ao se levar em consideração os variados graus de maleabilidade que o ser humano pode desenvolver.

Segundo Barbosa (2011), resiliência é uma força intrínseca a todos os seres e coisas vivas: uma conjunção de recursos biológicos, psíquicos e sociais que estruturam a superação de situações de adversidades que ameaçam a nossa existência. Constitui-se de fluxos cognitivos-emocionais como a capacidade de acreditar em si, o autocontrole das emoções básicas, a habilidade de analisar fatos e implicações de eventos presentes no ambiente, a capacidade de compreender necessidades e objetivos de outros, a arte de conquistar e manter outras pessoas na rede pessoal, a competência de ler e identificar as reações que ocorrem no próprio corpo face ao estresse, a beleza de ver a vida com humor, otimismo e esperança e a capacidade de encontrar uma razão de viver nos projetos em que se envolve (2014). Essas áreas cognitivas, quando em interação contínua com outras cognições, resultam em uma nova forma de ver e sentir a realidade, inaugurando o novo e rompendo com o pensamento estabelecido ou enrijecido pela aprendizagem. Tais recursos, por meio da linguagem, perpetuam e renovam processos regenerativos, mitos, crenças, padrões e narrativas, organizando e constituindo o Ser Humano (Barbosa, 2006)”.

Barbosa (2001) destaca outros autores que também definem o conceito de resiliência. Dentre eles Boris Cyrulnik (2000; 2001), para o qual resiliência é o próprio ato de “tricotar recursos profundos” para superar adversidades. Este tricotar, para Slap (2001) vai além da capacidade de organizar estratégias de enfrentamento racional (coping): a vida é um contínuo “tricotar” de possibilidades. Nas palavras de Richardson (2002) será, fundamentalmente, a função de sucessivas e contínuas reintegrações resilientes. Ou como Flach (1991) defendeu na lei da ruptura e da reintegração, em que para sobreviver a mudanças significativas provenientes do enfrentamento de adversidades, é preciso ter resiliência, ou seja, uma espécie de sabedoria e flexibilidade diante de períodos de ruptura e de integração.

Será pautada nessas visões de resiliência, de desintegrar, reintegrar e “tricotar possibilidades”, que traçaremos um paralelo entre os conceitos de resiliência e mindfulness.

Dentre os estudos na área da resiliência, estudos internacionais destacam a importância da mindfulness, tema que, no Brasil, ainda se encontra embrionário.

Mindfulness é um termo proveniente de tradições orientais e que pode ser traduzido para português como “atenção plena”. Numa definição anátomo-biológica:

“A atenção plena fortalece as redes do cérebro que regulam a reatividade emocional, reduzindo o tamanho e o impacto da amígdala – o sistema de lutar, fugir ou ficar imobilizado; ela fortalece as redes que estão por trás da nossa capacidade de sentir compaixão por nós mesmos e pelos outros e ela modifica os trajetos que normalmente produzem a ruminação habitual e inútil sempre que uma disposição de ânimo triste se manifesta” (TEASDALE, p. 42)

Tal “atenção plena” seria alcançada por meio da prática meditativa e/ou contemplativa que, num constante treino de habilidades, potencializa a capacidade de estarmos engajados com as experiências do momento presente. Dentre outros benefícios, mindfulness é associado à redução do estresse e demais sintomas, sendo capaz de promover bem-estar e autorregulação.

Algumas pesquisas abordam a relação do fenômeno mindfulness com outras variáveis, sendo possível observar, por exemplo, pessoas que possuem maior consciência daquilo que fazem relatam maior autocompaixão e felicidade (Hollis-Walker & Colosimo, 2011). Tais autores conceituam mindfulness como um atributo da consciência relacionado ao bem-estar, composto por dois fatores, consciência e atenção. Outros, como Langer (2014) apud Pires et al (2015), definem a existência de um terceiro fator: a “não-reatividade”.

Compreendendo os três fatores mencionados acima: a consciência refere-se ao monitoramento das experiências internas (como sensações e pensamentos) em interação com o ambiente; a concentração pode ser vista como um traço inerentemente humano associado à atenção e à consciência (Pires et al. (2015) apud Bishop et al., 2004), incluindo variações de intensidade entre as pessoas; já a não-reatividade envolve não reagirmos diretamente às situações, podendo estar em contato com as emoções, ao mesmo tempo em que escolhemos intencionalmente o modo de agir, ao invés de sermos guiados por um modo automático de funcionamento (“piloto automático”).

No âmbito da resiliência, defendemos a perspectiva de que mindfulness se refere ao fenômeno “atenção plena” como um estado consciente, não reativo e concentrado, que difere da nossa prática cotidiana em que, muitas vezes, somos guiados por um modo automático de funcionamento, útil para resolver problemas, mas pouco eficiente para lidar com questões emocionais e seus constituintes.

O pensar automático considera a realidade de acordo com os dados que ela mesma lhe provê – a realidade externa. A realidade externa adere à realidade interna. Assim, as emoções e os sentimentos assumem o lugar da realidade externa como se fossem fatos reais , distorcendo a realidade e promovendo instabilidade e desequilíbrio. Para se defender, o indivíduo cria uma barreira entre ele e a realidade e passa a atacá-la (emoções extremadas e os sentimentos de intolerância) ou a acatá-la (emoções e sentimentos recuam numa postura de passividade), conduzindo ao mal-estar e ao adoecimento.

O elo para evitar esse rompimento eu-realidade propício ao adoecimento se dá quando introduzimos um elemento novo (a área da resiliência) que atua como um amortecedor (airbag interno) entre  a realidade vivida e a realidade observada. Como num movimento pendular, de levar a atenção entre a realidade percebida e as percepções da área da resiliência, a pessoa vai descortinando novas emoções, sentimentos e estados de alma, proporcionada pela perspectiva da saúde e do bem-estar.

A partir dessa compreensão, entendemos haver um foco dirigido para as áreas específicas da resiliência que coincidem com as premissas básicas do mindfulness:

Presença – desenvolver a habilidade de se distanciar dos pensamentos do passado (experiências e lembranças). Cultivar um novo modo mental que nos permita reagir mais habilmente a emoções desagradáveis e experiências interiores indesejadas. Lau chama essa habilidade de uma “atitude de distanciamento de si” (Lau et al., 2006). O que nos possibilita levar o pêndulo para a área da resiliência em consideração.

Observar – cultivar uma atenção interessada e delicada para a própria experiência e as implicações da área da resiliência envolvida.

Descrever – encarar os pensamentos apenas como eventos mentais, como parte do fluxo da vida. Com isso, eles perdem o poder de nos perturbar ou de controlar as nossas ações.

Abertura à experiência – voltar a habitar o momento presente: o foco é o aqui e agora. A experiência em curso e não se perder em análises racionalizadas como o ato de ruminarmos o passado, revivendo perdas e fracassos.

Aceitar sem julgar todas as percepções, sensações e insights – aceitar a experiência sem precisar acreditar que as coisas sejam diferentes do que nos aparecem (com isso, deixamos de viver a rígida lacuna entre o que somos e o que deveríamos ser), possibilitando-nos integrar o passado e o futuro.

Agir com consciência – entregar-se à sensibilidade e à amplitude da vida, deixando de lado o hábito de priorizar o atingimento de metas.

Cultivar uma atitude básica de tolerância em favor da flexibilidade ante o novo modo mental que a área da resiliência venha a produzir.

Tais atitudes nos ajudam a evocar o estado de atenção plena. Assim, rompe-se com a ideia de que altos escores em mindful estariam associados a baixos escores em neuroticismo, sintomas psicológicos e de esquiva experiencial, além de alto nível em inteligência emocional (KIMS; Baer, Smith, & Allen, 2004).

Considerando as definições iniciais de resiliência enquanto uma boa resposta à ruptura (desintegração e reintegração), na prática de mindfulness esse processo é ainda intermediado e sustentado pela respiração (consciência corporal): o espaço proporcionado pela respiração nos prepara para uma atitude mental diferente e envolvida com o presente. Assim, deslocamos intencionalmente a atenção de uma maneira delicada e gradual na direção de sensações desconfortáveis e podemos nos conectar a novas crenças e novos sentimentos, mais leves e agradáveis.

Por fim, repensando a relação da busca de resiliência na experiência de mindfulness, ampliamos o “tricotar possibilidades”, dando novos sentidos aos recursos internos e externos que estão disponíveis neste instante. Por meio da linguagem, tecida em processos, padrões e narrativas, vive-se a prática que integra o indivíduo em seu corpo (respiração, postura, consciência corporal), consigo mesmo (a reconstituição do sentido do pensamento, da emoção e do sentimento) e com o outro (ampliando contextos, numa constante e fluida construção de narrativas). Perdem o sentido as barreiras estabelecidas entre o nosso “eu” e a “realidade” e, em seu lugar, experienciamos cor, energia e vitalidade ao reconectarmo-nos diretamente com a vida.

 

Referências:

BARBOSA, GS. [2006]

BARBOSA, GS. A aplicação e interpretação do conceito de resiliência em nossa teoria. Anais do 11o Congresso de Stress do ISMA-BR. Porto Alegre (RGS): 2011. Disponível em

<http://sobrare.com.br/Uploads/20110718_palestra_no_congresso_da_isma_em_2011.pdf > acesso em 14 de novembro de 2016.

PIRES, Jeferson Gervasio et al . Instrumentos para avaliar o construto mindfulness: uma revisão. Aval. psicol.,  Itatiba ,  v. 14, n. 3, p. 329-338, dez.  2015 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712015000300005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  15  nov.  2016.

TEASDALE, J.D., WILLIAMS, M., SEGAL, Z. Manual prático de mindfulness (meditação da atenção plena): um programa de oito semanas para libertar você da depressão, da ansiedade e do estresse emocional. São Paulo: Pensamento, 2016.

CYRULNIK, B. Les Nourritures affectives affectives. Paris: Odile Jacob. 2000

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Grande abraço,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga, Psicopedagoga, Orientadora Profissional e de Carreira e Coach. Escritora (crônicas literárias, artigos acadêmicos e profissionais). Atende na Clínica com Psicoterapia (enfoque psicanalítico) e Coaching em Resiliência (vida e carreira), ministra palestras e treinamentos comportamentais em nome de sua empresa (Ponto de Palestras e Treinamentos). Escreve semanalmente neste blog. Acompanhe.

Contato: crifmonteiro@gmail.com

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