Momento propício para rever nossa caminhada

“E agora, José*, como atribuir novos sentidos à vida?”

Não há nenhuma novidade em reconhecer que o momento atual nos oferece um verdadeiro “puxar de rédeas” ao ordenar para pararmos e ficarmos em casa. Vivemos hoje o que eu denominaria de uma crise mundial da humanidade. Vale lembrar que a palavra chinês para “crise” significa, ao mesmo tempo, risco e oportunidade.

Convido-os a relembrar que, nos últimos anos, de maneira geral, procurávamos dar sentido à vida num “palco egóico”: apenas cuidando de nossa própria vida e, com muita ênfase, valorizando o reconhecimento social a cada instante – não à toa o fenômeno das redes sociais ganhou ímpeto e adesão facilmente. No entanto, convém considerar que, se num primeiro momento, a ideia de rever conhecidos uniu muitos de nós nas telinhas, num segundo momento, todos ali se encontravam numa verdadeira solidão compartilhada, de curtidas, tantas vezes vazias e insinceras, quando não em meio a humilhações devido a opiniões divergentes.

No entanto, atualmente estamos num cenário bastante diferente: ao nos percebermos isolados, podemos curiosamente reconhecer que já não estamos sozinhos, já que todos padecem de um mesmo sofrimento (a pandemia e suas vicissitudes) e não há possibilidade de escapar dessa realidade. Já que não há mais tanto o que mostrar/glarmourizar, as fotos de viagens e restaurantes chiques, deram lugar à expressão dos sentimentos em poemas e posts sensíveis ou mesmo à nostalgia das fotos do passado.

Fases do luto

As pessoas estão, de fato, demonstrando suas vulnerabilidades. Cai a “era do ego” e entra a “era da verdade”. Urge reconhecer que estamos num momento de luto da humanidade. E cada um está, à sua maneira, vivenciando uma das fases desse luto. Uns bem no início, outros no meio e outros já estão no final desse processo. Seja na forma de negação (acreditando que “isso não vai acontecer comigo/com minha família” – pegar COVID-19), raiva (por causa das medidas tomadas pelos governantes, pela redução de trabalho e dinheiro ou pelo excesso de trabalho home office), barganha (estão querendo, de alguma maneira, ansiosamente negociar com a situação, tentando tirar daí algum benefício ou verificar como se prejudicar menos), depressão (quem está reconhecendo a necessidade de mudança, a instabilidade constante da vida, de abrir mão de um mundo que já foi e outro que irá começar ou mesmo) e, por fim, a aceitação (para quem reconhece que é assim que podemos viver hoje devido aos diversos erros que a humanidade já cometeu em relação à natureza e à própria humanidade e saber que, de certa forma, já estávamos vivenciando o luto da humanidade há muito tempo e agora é só uma fase de enfrentamento dessa situação: momento esse de “lavar as feridas”). O lado positivo disso tudo é que, após lavar as feridas, é possível, para alguns, aprender a conviver com as cicatrizes e seguir a vida com um novo olhar.

Diante desse cenário, convido você leitor a uma reflexão mais profunda, para reconhecer quais riscos o cenário atual te traz, bem como reconhecer e localizar em qual fase do luto você se encontra hoje.

Além disso, avalie quais oportunidades você vê para a sua vida nesse momento: do que vale a pena abrir mão, que habilidades (e talentos) é possível aproveitar para um novo ofício? Reveja rotinas, prioridades e valorize as reflexões que virão.

*José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

 

Forte abraço,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae), psicanalista e instrutora de Mindfulness Baseado em Terapia Cognitiva (Mindfulness Based-on Cognitive Therapy – protocolo MBCT), em formação, pelo Mente Aberta (UNIFESP) em parceria com o Oxford Mindfulness Centre. Cursando especialização em Teorias e Técnicas em Cuidados Integrativos na UNIFESP. Palestrante e proprietária da empresa “Ponto de Diálogo e Reflexões”. Realiza atendimento com psicoterapia (Psicanálise) e com grupos (Programas de Mindfulness/Atenção Plena).

Entre em contato: contato@cristinamonteiro.com.br

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