Feminino ferido: da dor à cura

“A crueldade da sociedade islâmica para com mulheres, a paralisia social delas em caso de morte do marido ou de gravidez fora de casamento, a complexidade de uma relação entre mulheres, a aridez do ambiente. A câmera de Touzani, ainda que pouco delicada, consegue destacar essas sensibilidades das relações e da vida islâmica.” (MANS, 2019)

 

Análise do filme: Adam

O filme Adam se passa em Marrocos e retrata a história de mulheres numa sociedade machista, patriarcal, bastante comum na sociedade islâmica.

Selecionado para uma vaga em Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2020, ele conta a história de uma jovem, Samia (Nisrin Erradi) que, grávida, em situação de rua, percorre casas e lojas em busca de um emprego e de um abrigo. Até que consegue um abrigo temporário na casa de Abla (Lubna Azabal), viúva e mãe de uma menina que acaba sentindo afeto especial por Samia. Abla também se incomoda com esta situação delicada e mente ao tentar esconder tal condição, contando aos demais que Samia seria sua parente.

Sem saber como lidar com esta situação, Samia se dispõe a cozinhar e até ajuda Abla a vender comidas. O momento crucial do filme, a meu ver, foi quando Samia sai do lugar daquela que apenas deve favores a Abla, desafiando-a, fazendo com que ela se veja de fato, entrando em contato com um passado doloroso e intocável. Com isso, aos poucos, Abla foi enfrentando o seu vazio e seus nós internos, cicatrizando dores e abrindo-se de volta para a vida.

Abla, por sua vez, faz o trabalho de ajudar Samia a compreender o papel de mãe numa sociedade que se fecha para as mulheres solteiras, e resgata, junto a ela, o sentido de conexão com o filho, mesmo sem saber o que ela poderia proporcionar a ele, ou mesmo o paradeiro que iria lhe dar (adoção).

Num filme em que as personagens são de poucas palavras, mas de discussões e histórias de vida bastante densas, é interessante notar como o sentido de vida dessas mulheres emerge a partir de olhares, gestos e toques, banhados a emoções sinceras de empatia e compaixão que transcendem a rigidez do contexto vivido.

A ruptura de paradigma proporcionada pelo misto de acolhimento da dor e renúncias nos traz o desafio de considerar nosso conformismo, bem como o silêncio diante da dor alheia e, assim, conecta-nos com o nosso lado mais humano, que nos aproxima por nos fazer perceber que somos um todo, uma unidade e que o outro nos reflete, momento a momento. Desafiar-se a esse olhar é estar vivo.

 

Referência:

MANS, M. Crítica: ‘Adam’ é filme poderoso sobre relações humanas. Disponível em: <https://www.esquinadacultura.com.br/post/critica-adam-e-filme-poderoso-sobre-relacoes-humanas>, acesso em 26/12/2019.

 

Sigam-me,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), Psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae), Psicanalista, instrutora de Mindfulness (MBCT). Atende na clínica com psicoterapia (enfoque psicanalítico) e coaching em resiliência (controle do estresse) – consultório em Pinheiros (São Paulo). Ministra palestras e treinamentos comportamentais in company pela sua empresa Ponto de Diálogo e Reflexões e também no consultório. Escreve frequentemente neste blog. Acompanhe.

Contatem-me: contato@cristinamonteiro.com.br

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