Filme “Parasita”: quando as máscaras caem

Análise do filme “Parasita”

 

Introdução

Segundo Carolina Marcello, Parasita, uma mistura de terror psicológico, drama e comédia, é um filme sul-coreano dirigido por Bong Joon-ho que está revelando questões intrigantes em meio a muitas reflexões e discussões.

Lançado no ano passado, venceu a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes. Este ano, foi o grande vencedor do Oscar, nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Estrangeiro. Pela primeira vez, uma produção não falada em língua inglesa venceu a premiação de Melhor Filme, como um marco, uma verdadeira referência mundial.

O filme de Bong Jonn-ho aborda atitudes de uma família pobre (Kim), que, necessitando de um trabalho para além da sobrevivência, manipula e conquista uma família abastada (Park). Infiltram-se – como os parasitas fazem nos corpos – por meio de uma série de mentiras e planos mirabolantes, integrando dois mundos opostos, que passaram a se conectar por um elo comum simbolizado pela metáfora da pedra da prosperidade.

Para além da questão da desigualdade social e financeira abordada ao longo de toda a história, irei me ater neste momento a outros aspectos, mais reflexivos e subjetivos nesta análise.

 

Comunicação nas famílias

Algo notável no filme é o modo como se dá a comunicação nas famílias. Na família Kim, a comunicação é um modo eficiente para engajar a todos em algo comum: a luta pela sobrevivência e a luta por um lugar para além da sobrevivência.

Já na família Park, a comunicação parece mais desconectada ou parcial, de modo a “poupar” os membros da família de assuntos delicados. Tal característica é logo percebida pelos Kim que, ao manipular os Park, mencionam a importância de zelar por essa discrição e essa imagem social perfeita enquanto algumas situações saíam de controle.

A manipulação então é favorecida pelos segredos mantidos entre os membros dos Park. Como a comunicação circulava menos entre eles (realidade objetiva), as conexões acabavam acontecendo mais internamente (realidade subjetiva), alimentando medos no que poderia acontecer (afastamento da realidade objetiva e vivência em um mundo subjetivo “protegido e pouco real”). Assim, a mãe da família se assustava com as possibilidades de sofrimento de seus filhos, o que a levava a comprar a ideia de que eles precisavam de auxílio externo de pessoas altamente especializadas e a acreditar cegamente nelas.

Essa ligeira separação que aparecia na comunicação entre os Park não se dava na família Kim. Pelo contrário: via-se claramente que eles tentavam ajudar uns aos outros, no desenvolvimento de uma imagem perfeita (por meio de diálogos ensaiados) de modo a encantar a família nobre. E eles se saíram, de fato, muito bem nessa empreitada.

 

Tabu: aquilo que não pode circular, morre

Apesar de a comunicação na família Kim circular de forma mais explícita, o que não era possível ser dito de maneira clara, e mesmo encarado, eram outras questões que apareceram no filme, tal como o cheiro do funcionário, o pai de família e motorista. Sendo assim, apesar de ter desenvolvido boas estratégias de comunicação, havia algo, um não-dito, que não poderia ser resolvido ou solucionado: o preconceito e a humilhação da classe pobre.

O não-dito e não elaborado pelo patriarca da família Park também aparecia claramente na expressão do patriarca dos Kim (numa determinada cena, quando este está escondido abaixo da mesa, aquele revela à esposa essa questão e então começa a emergir tudo o que estava escondido). E, por mais que tudo parecesse funcionar bem, quando algo para além da aparência se revela – o surgimento de outra família parasita na casa com um homem escondido há anos no porão – nos vemos diante de uma impossibilidade de sustentação daquela realidade – imagem oposta à da barraca do filho menor no dia de chuva intensa, que aparentava total controle e proteção enquanto seus pais o observavam de dentro da casa.

Desse modo, o assassinato do patriarca da família Park não foi um engano, como alguns acreditam. Além da expressão clara de revolta, esta cena revela a morte de um tabu ali mantido (diferença sócio-econômico-cultural), como menciona Freud em Totem e Tabu. Destaco aqui, com essa menção à obra de Freud, que “tabu” nos remete à ideia de proteção e prevenção contra eventuais ações que representem perigo ou ameaça. Assim, ao transgredir um tabu, aquele que efetuou a ação será relegado a ser o próprio tabu, confirmando que a transmissibilidade é possível quando em contato com as pessoas ou coisas, carregadas de um poder perigoso.

E, por fim, deixo aqui uma abertura à reflexão sobre o que é “proteção” e o que é “perigo”, diante da especulação que fiz de que o não-dito é que causa a morte.

 

Referências:

MARCELLO, C. Filme Parasita. Disponível em: <https://www.culturagenial.com/filme-parasita/>, acesso em 11/02/2020.

PRESA, G. A. Totem e tabu. Disponível em: <https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/totem-e-tabu>, acesso em 12/02/2020.

 

Sigam-me,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae), psicanalista e instrutora de Mindfulness Baseado em Terapia Cognitiva (Mindfulness Based-on Cognitive Therapy – protocolo MBCT), em formação, pelo Mente Aberta (UNIFESP) em parceria com o Oxford Mindfulness Centre. Cursando especialização em Teorias e Técnicas em Cuidados Integrativos na UNIFESP. Palestrante e proprietária da empresa “Ponto de Diálogo e Reflexões”. Realiza atendimento com psicoterapia (Psicanálise) e com grupos (Programas de Mindfulness/Atenção Plena).

Contatem-me: contato@cristinamonteiro.com.br

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