Mindfulness e o desapego do “eu”

“A redução do domínio do eu, sempre objetivo principal entre os praticantes de meditação, tem sido estranhamente ignorada pelos pesquisadores do assunto, que, talvez, de forma compreensiva, se concentram em vez disso em temas mais populares, como relaxamento e bem-estar.” (GOLEMAN & DAVIDSON, 2017)

Parto dessa citação pois achei bastante curiosa essa fala dos célebres Goleman e Davidson.

Falamos muito em desapego, quando se trata de Mindfulness. Isso porque quando desapegamos, o que vivenciamos aparece na forma alternativa de um maravilhoso deleite na existência. No entanto, faço aqui uma ressalva ao considerar que o maior desapego a que precisamos nos atentar nesse processo é o desapego do próprio ego/eu.

Desapegar do ego/eu” implica em lidar de maneira mais eficiente com a possessividade  (eu, meu, minha…) presente na nossa linguagem narrativa, o que nos exige um certo esforço, por alguns motivos. Primeiramente, porque é automático estar em constante diálogo com este eu, reforçando suas características para si e para os outros. Em segundo lugar, porque gostamos muito de acreditar que esse “eu” existe e que ele merece muita atenção e zelo. O que não percebemos é o quanto esse hábito nos exige, tomando-nos muito tempo e energia, além de nos fragilizar (por nos deixar mais apegado à manutenção de nossas crenças arraigadas do que à realidade daquele momento). Ou seja, quanto mais apegados à imagem do ego/eu, menos resilientes seremos.

 

Como nos percebemos apegados ao ego?

É preciso estarmos bastante atentos à nossa mente – notadamente aos nossos pensamentos, – e perceber como ela fica quando esse “eu” entra em jogo: o que aparece? Constante necessidade de se autoafirmar? De se defender? De se culpar? Qual é a maior marca do seu “eu”?

Quando entramos na divagação mental, perdemos o que há de mais importante: a conexão que estabelecemos com o outro, o ambiente e a vida, para ficarmos alimentando a “ideia do eu” que criamos e lustramos diariamente pela possessividade. Além disso, é importante saber que esse mecanismo é típico da nossa mente: que precisa estar sempre buscando e criando significados e, para isso, “costura” partes separadas da nossa vida numa linha narrativa coerente e que nos conduz ao chamado modo default, que popularmente chamamos de “estar no mundo da lua”, ou seja, nos desconecta.

 

Como então podemos mudar essa relação?

No Mindfulness, trabalhamos a chamada metaconsciência, ou seja, uma investigação da dinâmica mental de modo curioso, aberto e atento, seguida por um monitoramento e gerenciamento dos conteúdos mentais (em termos de desapegar e se orientar a partir da escolha feita naquele momento).

Tecnicamente, esse insight de reconhecer o caráter pegajoso dos nossos conteúdos mentais – pensamentos, sentimentos, emoções e impulsos – é chamado de “de-reificação”, e leva os meditadores a se desapegar do ego/eu para se conectar com o princípio da impermanência de todos os fenômenos (inclusive de si próprio). O grande ganho aqui é que podemos deixar de acreditar nos nossos pensamentos autocentrados e deixá-los seguir sem culpa, enquanto tomamos atitudes mais certeiras.

Sendo assim, reduzimos a divagação mental ao observarmos a mente sem nos identificarmos e, com isso, deixamos de lado a ideia de possessividade tão presente em nossa narrativa. Um exemplo seria: identificar o pensamento “estou com dor nos ombros” como diferente de “carrego o mundo nos meus ombros e por isso eles doem tanto”.  

 

Mindfulness: conexão mente e cérebro

Ao fazermos uso contínuo dos métodos de Mindfulness, é possível trabalhar esse gerenciamento da mente pelas conexões cerebrais: por meio do aumento da atividade na área pré-frontal dorsolateral junto ao córtex cingulado posterior da zona default (zona primordial para o pensamento autofocado, ou seja, focado no ego/eu). Temos então um afrouxamento da mecânica e do automatismo do ego/eu, ao mesmo tempo em que conexões intensificadas com a área de controle continuam.

 

Bora praticar o desapego!

A partir do desapego do ego/eu, a nossa autonarrativa passa a ficar bem menos “pegajosa”, como costumam dizer os autores acima. Nós paramos de dar atenção a esse tipo de conteúdo mental e ele deixa de ser tão irresistível e atrativo como de costume. Com isso, vão embora com mais facilidade.

O que ganhamos com esse gerenciamento? Mais tempo, mais disposição, mais resiliência e, acima de tudo, mais presença em nosso dia a dia.

Termino este post com a frase de Vasubandhu (sábio indiano do século V): “Enquanto a pessoa se agarrar ao eu, permanecerá presa ao mundo do sofrimento.”

 

Referência:

GOLEMAN, Daniel. DAVIDSON, Richard. A ciência da meditação: como transformar o cérebro, a mente e o corpo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.

 

Vamos juntos,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae), psicanalista e instrutora de Mindfulness Baseado em Terapia Cognitiva (Mindfulness Based-on Cognitive Therapy – protocolo MBCT), em formação, pelo Mente Aberta (UNIFESP) em parceria com o Oxford Mindfulness Centre. Cursando especialização em Teorias e Técnicas em Cuidados Integrativos na UNIFESP. Palestrante e proprietária da empresa “Ponto de Diálogo e Reflexões”. Realiza atendimento com psicoterapia (Psicanálise) e com grupos (Programas de Mindfulness/Atenção Plena).

contato@cristinamonteiro.com.br

Instagram: cristinamonteiro_psicologa

 

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