O ódio em nós

Breve análise do filme “Joker (Coringa)”

O filme em questão causa-nos grande impacto. Ele trata das maiores mazelas do mundo: desigualdades, pobreza, miséria, doenças, loucura, dor, incertezas, injustiças, desparecimento e fama. Tudo junto e misturado na catástrofe total da vida, como dizia Jon Kabat-Zinn.

Extremamente aflitivo, a meu ver, bastante impactante e estigmatizante, comecei a observar que a crítica que gostaria de fazer não era do personagem principal em si, que se cria a partir da saída de uma não-existência pautada na dor para uma existência sustentada no ódio e na vingança. O corpo da dor é exposto a todo momento e não tem como não nos cutucar em nossas dores. A risada escrachada escancara a dor e toca os demais que com ele convivem ao levá-los a questionarem que ali não havia graça. Ali havia desgraça. E se naquela risada solitária e doente ele estava sozinho, na desgraça ele tinha a cidade ao lado.

O que mais me impactou ao assistir a esse filme foi pensar “O que causa tanto ódio no mundo?”. A história nos convida a pensar que se seriam as injustiças sociais, as doenças mentais, as questões relativas a trabalho, emprego, relacionamentos, segredos intergeracionais entre mãe e filho, sentimentos de dor e vergonha… Enfim, tudo depende dos olhos de quem vê e do que se escolhe acreditar e seguir.

A justiça é algo que costumamos tomar por provas, representações de autoridades que normalmente simbolizam certezas corretas como o médico, o apresentador de TV, o homem muito rico, as instituições governamentais. E o que esse filme nos leva a questionar é que todas essas instituições foram postas em xeque. Todas as certezas caem no momento em que reconhecemos que, para além das injustiças que, mesmo com provas – que muitas vezes são falsamente criadas por aqueles que detêm o poder para aí se manterem, como é o caso das amantes que foram enviadas no período da ditadura a manicômios para que os homens pudessem continuar livremente a gozar suas vidas e a vida das pessoas tende a se organizar num novo contexto – nem sempre revelam a verdade. E, no momento em que o ódio do personagem principal supera seu resquício de afeto, ele se ocupa de preencher o restante. Aí se encontra a grande conexão – dentro e fora do personagem.

No entanto, faço aqui uma ressalva para refletirmos sobre o fato de que o ódio que cresceu naquela cidade não cresceu sem estar conectado ao ódio de quem o presencia – e aqui eu abordo desde os demais integrantes daquela sociedade que elegem o Coringa como um Mito heroico –, mas com o nosso ódio como espectador que foi originado – ou não – do medo e a indignação  que acompanhou a violência trazida pelas cenas e que foi acreditando que aquelas formas de “justiça” que apareciam ao longo do filme, de alguma maneira, justificavam as atitudes tomadas. Uma empatia com a dor do personagem principal pode nos levar a nos colocar ao lado de seu comportamento de ódio por muitos instantes, ao mesmo tempo em que pode não se responsabilizar pelo estado caótico do que foi acontecendo com o desenrolar do enredo.

E assim como nós, expectadores/participantes, muitas vezes buscamos, não apenas no filme, mas na vida, a justificativa de atitudes – nossas e alheias – com base na indignação e no ódio, estamos caminhando a passos largos não para uma noção real de justiça, mas muito mais para uma criação e manutenção de uma sociedade doente.

 

Sigam-me,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae), psicanalista e instrutora de Mindfulness Baseado em Terapia Cognitiva (Mindfulness Based-on Cognitive Therapy – protocolo MBCT), em formação, pelo Mente Aberta (UNIFESP) em parceria com o Oxford Mindfulness Centre. Cursando especialização em Teorias e Técnicas em Cuidados Integrativos na UNIFESP. Palestrante e proprietária da empresa “Ponto de Diálogo e Reflexões”. Realiza atendimento com psicoterapia (Psicanálise) e com grupos (Programas de Mindfulness/Atenção Plena).

Contatem-me: contato@cristinamonteiro.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *