Espinhos e silêncios do existir

 

Breve análise do filme “Roma”

Este drama foi escrito, produzido e dirigido por Alfonso Cuarón e teve indicações ao Globo de Ouro. Inspirado em sua própria infância, o filme é elogiado como uma metáfora do país, de sua história, de seu passado e presente. Seu título é uma referência à Colônia Roma, distrito localizado em Cuauhtémoc, México.

Trata-se de um retrato da realidade cotidiana nua e crua da empregada doméstica Cleo (Yalitza Aparicio), sem perspectivas nem esperanças, tal como a maioria em sua condição social e racial na América Latina.

 

O que é não ter lugar?

O não-lugar, na visão psicanalítica, diz de um sujeito e de um desejo:

Quem o sujeito se diz ser?

Para onde ele se dirige?

No filme, tal questão não se restringe ao fato de Cleo não ter lugar devido à sua condição social, mas porque não havia nela o desejo. Inclusive socialmente ela até tinha um lugar: de doméstica na casa de uma família de classe média. Mas, como sujeito, ela não existia. E assim se acostumava, a não existir, a conformar-se.

 

Gestar uma dor

A gravidez emergiu na vida de Cleo e ela não conseguia dar lugar para aquele bebê. Logo percebeu que sua filha, assim como ela, não teria lugar quando o pai da criança a recusou. E então ela pôde desejar que sua filha não nascesse. Paradoxal e doloroso, seu desejo se instalou de modo disfarçado, para que nem ela o acessasse.

 

O luto do não-lugar, da inexistência

Não foi possível dar à luz à sua filha. Quando nasceu, já veio ao mundo morta. Cleo segurou-a nos braços, com sofrimento, vendo ali seu desejo concretizado. A imobilidade daquela possibilidade de vida retratava a imobilidade de qualquer desejo de vida. E a dor de reconhecer seu desejo naquele corpo morto a emudeceu. Ela enterrou à filha junto ao seu não-lugar.

 

O lugar da fala (emergência do desejo): nasce uma mulher

Apenas quando foi salvar os filhos da patroa no mar, uma atitude bastante corajosa já que ela não sabia nadar e poderia morrer, que Cleo pôde então voltar a falar.

O lugar da fala foi o momento de admitir e revelar seu desejo (de não querer que a filha nascesse) para aquela família que quase se perdeu. Viu-se novamente diante da morte, mas agora escolhera a vida. Ao salvar aquelas crianças, Cleo salvou a si mesma. Ganhou um lugar efetivo naquela família. E um lugar na sua existência. Nascia ali uma grande mulher.

 

Sigam-me,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), Psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae) e Psicanalista. Atende na clínica com psicoterapia (enfoque psicanalítico) e coaching em resiliência (controle do estresse) – consultório em Pinheiros (São Paulo). Ministra palestras e treinamentos comportamentais in company pela sua empresa Ponto de Diálogo e Reflexões. Escreve semanalmente neste blog. Acompanhe.

Contatem-me: contato@cristinamonteiro.com.br

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