Samadhi: para tornar-se inteiro, é preciso desapegar

Tudo está aí para os olhos que podem ver.

Rumi

 

Resenha do documentário Samadhi

Este documentário traz de maneira belíssima uma tentativa de abordar o conceito sânscrito de Samadhi. “Tentativa” porque ele menciona que a abstração total deste conceito ultrapassa sua definição conceitual. Em determinado momento, menciona: se você acha que entendeu, está errado; se você não entendeu ou não quer se aproximar disso, também.

Então o primeiro passo seria começar a tentar entender conceitualmente, mas isso seria apenas metade do caminho; a outra metade está no próprio caminho espiritual, pautado na verdadeira intenção de descobrir nossa verdadeira natureza, e aí, qualquer definição conceitual pouco se sustenta.

Tal narrativa nos leva a observar e questionar a vida robotizada que levamos: vícios que não conseguimos largar, necessidade de aceitação, busca de prazer e evitar a dor, entrega constante a estímulos. E, então, reconhecer que estamos identificados com uma matriz mental e distantes da grande sabedoria que está enterrada profundamente em nosso ser.

“Maya” trata-se do esquecimento do “Eu verdadeiro” e a identificação com a ilusão do ser, que é uma prisão, um labirinto do ego patológico. Criamos nossas máscaras e aí ficamos condicionados, seja pelo nosso inconsciente ou pelo impacto do social em nossas vidas. E assim, acreditamos que a nossa verdade é a única e deixamos de ver que a do outro também é, pois existem infinitos caminhos. Enquanto estivermos identificados, estaremos adormecidos.

Ele compara tal visão à alegoria da Caverna de Platão e nos desafia ao perguntar: “Você está disposto a sair disso?” ou mesmo: “Quanto você está disposto a pagar para ser livre?”

O caminho do Samadhi nos orienta que não é necessário se identificar, mas também não devemos renunciar completamente às identificações. O foco então deve ser o “despertar”: despertar da identificação com a prisão desse “Eu”, da ilusão de um Eu Separado, despertar do personagem para o sonho da vida. Isso ocorre quando nos desviamos gradualmente para o sentido da Luz e compreendemos que há um outro mundo além do mundo mental dualista.

Samadhi seria o próprio caminhar em direção à cessação do sofrimento, causado pela resistência (a mente que cria a ilusão do Eu e este, por sua vez, cria resistência). Realizar Samadhi é tornar-se autônomo para um universo, para si mesmo, livre para criar novas perspectivas porque não há um Eu envolvido. É descobrir quem você é antes dos pensamentos e dos sentidos. É estar livre do pensamento patológico. Rendição sem esforço.

O caminho para o Samadhi é a meditação. Pela experiência, temos a compreensão de que a consciência humana é um continuum (quietude é como o movimento, forma é como o vazio), mas isso não é acessível para a mente que se pauta no conceito de dualidade. Dentro dessa concepção, nosso maior erro consiste em igualar o Ser Fundamental ao Pensamento, pois não somos o que pensamos (cita o exemplo de uma criança que acredita quando ouve um pássaro nunca mais vê o pássaro porque acredita e fica presa em seus pensamentos).

Durante a prática meditativa, encontramos e perdemos o estado de Samadhi; observamos o eu condicionado, o que muda, realizando sua verdadeira natureza: o que não muda. Trata-se de observar o objeto de meditação até ele dissolver dentro de nós e nós nele, até a cessação da atividade egocêntrica: mente livre de conceitos, realizando o eu interior (libertando-se dos padrões ao deixá-los ir) e mudando a energia interior (prana). A sabedoria está na compreensão de que há um ser imanente que é atemporal, imutável e está muito além da dualidade, dos conceitos de ego, eu sou e self.

Apresenta-nos os três estados de consciência: acordar, sonhar e dormir profundamente; e Samadhi seria um quarto estado: despertar primordial que pode se tornar presente continuamente em paralelo com outros estados de consciência: Turya (Vedanta), Natureza de Buda e Cristo Consciência.

E então, o que muda quando atingimos a Iluminação? Abandonamos a resistência: a pessoa que luta foi abandonada (a luta externa é a luta interna e o mundo interior é onde a mudança deve acontecer primeiro), aceitamos a realidade exterior, temos libertação do inconsciente e acessamos a energia do Tao e as vontades divina e individual passam a estar alinhadas.

Destaco alguns termos utilizados na tentativa de exprimir Samadhi: salto no desconhecido, transcendência, nirvana, não-conceitual, rendição da estrutura do eu, perceber a igualdade e a unidade em todas as coisas. Quando se consegue ver a não-separação, existe a quietude dinâmica, o vazio grávido. Há um ponto da jornada onde a fé frente ao completo não-saber é mais necessária. Não há portão para entrar na grande realidade. “Ninguém pode passar pelo portão sem porta sem que não seja ninguém.” Assim como não há pessoas iluminadas, há atividade iluminada. Quando a mente se aquieta, os espelhos deixam de refletir: não há mais sujeito e objeto. É um sonho dentro do sonho.

“O que você resiste, persiste”. Tal frase é muito mencionada na Psicanálise e tratamos os sintomas (que persistem) compreendendo o sentido maior que eles adquiriram na vida daquele sujeito. Mas o mais impactante é que a meditação nos liberta do fato de que não precisamos ser sujeitos para sermos responsáveis pela nossa existência, podemos dilui-lo aos poucos e usar a energia da entrega para agir em consonância e integridade.

 

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Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae), psicanalista e instrutora de Mindfulness Baseado em Terapia Cognitiva (Mindfulness Based-on Cognitive Therapy – protocolo MBCT), em formação, pelo Mente Aberta (UNIFESP) em parceria com o Oxford Mindfulness Centre. Cursando especialização em Teorias e Técnicas em Cuidados Integrativos na UNIFESP. Palestrante e proprietária da empresa “Ponto de Diálogo e Reflexões”. Realiza atendimento com psicoterapia (Psicanálise) e com grupos (Programas de Mindfulness/Atenção Plena).

contato@cristinamonteiro.com.br

Instagram: cristinamonteiro_psicologa

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