Série 3%: E se você fizesse parte disso?

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3%, uma série brasileira desenvolvida por Pedro Aguilera para a Netflix, estrelada por  Bianca Comparato. Oficializada no segundo semestre de 2015, estreou em novembro de 2016. Apresenta um mundo pós-apocalíptico, após diversas crises que assombraram o planeta. Num lugar não especificado do Brasil, a maior parte da população sobrevivente mora no “Continente”, um lugar miserável, decadente, e escasso de recursos. Na juventude, todo cidadão tem direito a participar do “Processo”, uma seleção que oferece a única chance de passar para o Maralto, abundante de oportunidades e recursos para uma vida digna. Mas somente 3% dos candidatos são aprovados, após demonstrarem suportar ultrapassarem seus limites em provas físicas e psicológicas.

Tal série retrata a questão das oportunidades, do preço a pagar e das consequências. Retrata a questão do nosso real propósito de vida. Afinal:

 

Para que estamos aqui? 

Para onde vamos? 

O que queremos efetivamente? 

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Assistir a essa série lembrou-me a leitura da obra Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, em que havia uma comunidade “perfeita” em que não existia sentimentos, emoções, apenas “felicidade plena”. As mulheres não engravidavam, todos tomavam o “SOMA” para evitar conflitos e angústias. Os bebês nasciam de experiências laboratoriais. E nada podia quebrar o “mundo encantado”, apenas a presença da real condição humana, que veio a questionar e pôr em cheque todo este invólucro.

A questão de ser uma oportunidade única, de passar por um Processo bastante afunilado entre uma sociedade injusta para outra também injusta, mas “boa”, justifica àqueles que se esforçam por estarem na luta pelo melhor. É uma visão bastante capitalista, que vivenciamos diariamente, na luta pela justiça praticando injustiça com as próprias mãos. E a sensação de ter que “fazer por merecer” e sentir-se especial por estar ali, afinal, “todos queriam estar naquele lugar”.

 

Podemos escolher sempre

A cena do botão remeteu-me às estratégias dos campos de concentração nazistas, quando as pessoas precisam apenas apertar um botão para matar a outra sem ter a sensação da experiência completa de matar. É uma forma de ser menos responsável por aquilo que deveríamos ser efetivamente responsáveis. Ou até mesmo, por estarmos executando ordens, a ordem de apertar o botão viria não como algo ruim, mas como algo obediente e correto.

E a insatisfação emerge, as dúvidas aparecem, os questionamentos, a raiva, a boca que cala para manter os segredos do outro que irá encobrir os nossos. A justiça e a injustiça perseguem os candidatos. Muitos jogam como se fosse um jogo. Outros pensam como uma etapa da vida, única e quase sagrada.

 

 

Suportamos pagar o preço?

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A simbologia da “parada” do Processo quase perto do momento final pela oportunidade de ter acesso ao dinheiro parece muito o programa Silvio Santos, quando ele faz a pessoa escolher entre o esforço e a sorte, a crença e a descrença, o tudo ou o nada. Interessante pensar que nada daquele dinheiro terá valor no Maralto, já que ali os valores são outros. Enquanto que escolher o dinheiro naquele momento pode ser “tudo”, pois existe um retorno às origens.

 

E ao final: “E agora? O que temos? O que somos?”

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E todos ficam ali, encobertos. Cobertos pelo concreto, pelas portas de aço, pelos colegas que fingem estar junto ou que querem estar mais do que juntos, querem se aliar por medo ou por amor. E nada disso cabe ali, tudo é esmagado pelo próprio sistema, que afoga todas as possibilidades que saírem dos cálculos milimétricos da perfeição tão almejada do “lado de lá” onde o “real” e o “humano” não cabem ou não fazem sentido.

Enfim, por fim, o desapego do dinheiro, da família de origem, da família futura, dos relacionamentos amorosos, da dignidade… Tudo pelo esforço de estar ali faz daqueles seres, corpos dóceis, como dizia Foucault. Todos ali, docilmente encantandos pelo sistema, sem nada a perder, apenas servindo para um Bem Maior, do qual fazem parte, pertencem, hipnotizados.

 

Grande abraço,

 

Cristina Monteiro – Psicóloga, Psicopedagoga, Orientadora Profissional e de Carreira e Coach. Escritora (crônicas literárias, artigos acadêmicos e profissionais). Atende na Clínica com Psicoterapia (enfoque psicanalítico) e Coaching em Resiliência (vida e carreira), ministra palestras e treinamentos comportamentais em nome de sua empresa (Ponto de Palestras e Treinamentos). Escreve semanalmente neste blog. Acompanhe.

Contato: crifmonteiro@gmail.com

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